segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Sem horas

Um contratempo. Apesar de visível, o relógio da Igreja tecnicamente está morto. Depois de três anos de cadência certa e circular, os ponteiros esfumaram-se. Provavelmente, sentiram-se revoltados pela ditadura do relógio e passaram à clandestinidade. Ou, pura e simplesmente, eram débeis e sucumbiram às vicissitudes do tempo. Mesmo admitindo que estão guardados ou, em parte incerta, dos ponteiros não reza história. O que é uma pena. Porque sinto a falta deles e de uma missa em sua memória.

Relógio da Igreja

“No dia 24 de Agosto, festa litúrgica de S. Bartolomeu, foi inaugurado o mostrador do relógio da torre da igreja de Pechão. O relógio já tinha sido instalado há dois anos, mas só se podia ouvir as horas, então alguns empresários de Pechão e vários paroquianos decidiram oferecer à igreja o mostrador do relógio para que todos aqueles que passam no adro da igreja possam ver as horas. A Junta de Freguesia também colaborou nesta aquisição. Obrigado a todos os que participaram. “

Noticia publicada no Jornal “A Ponte” - Director Padre Jorge de Carvalho
Editado - 19/09/2007

Relógio da Igreja pensado em França

“Vai ser instalado no cimo da Torre sineira da Igreja de Pechão, o mostrador do relógio. Até agora só se ouvia as horas. A partir de Agosto vamos também poder ver, durante o dia, as horas no mostrador. À noite não é possível, pois não terá iluminação. O mostrador do relógio tem, 1,20 metros de diâmetro.
Este relógio, oferecido por vários empresários á Igreja, é a realização de uma ideia que surgiu na ida a França, do ano passado, para a assinatura da geminação de Pechão com Morangis.”
A Ponte - Ano V nº35 – Julho 2007
Editado 24/07/2007

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Os Pauliteiros na Universidade


É com um sorriso nos lábios e uma alegria imensa que vejo uma conterrânea, subir os tão difíceis como necessários degraus académicos. Mais, quando o faz, desbravando as nossas raízes e expondo-as aos olhos do mundo.

Com a permissão da Cirila Calé e a minha devida vénia, segue a sua tese na íntegra.

CULTURA POPULAR: PAULITEIROS
"Temos obrigação de salvar tudo aquilo que ainda é susceptível de ser salvo, para que os nossos netos, embora vivendo num Portugal diferente do nosso, se conservem tão Portugueses como nós e capazes de manter as suas raízes culturais mergulhadas na herança social que o passado nos legou." (Jorge Dias)
Docente: Profª Doutora Carla Sousa Discente: Cirila Silva

Introdução

“O folclore no Algarve tornou-se, ao longo das últimas décadas, um símbolo da cultura popular da região através da sua utilização no sector turístico, como meio de animação e/ou de promoção.” (Sousa, C. 1996: 12)


Desde a revolução industrial que praticamente toda a Europa mostrou preocupação em preservar o Património Cultural levando em particular os meios rurais a atribuírem uma importância ou valor inconsciente até então relativamente aos seus usos e costumes, por outras palavras, as suas tradições populares.

O Património Cultural pode ser apreciado sob diferentes formas, por exemplo, através do folclore, que muitas vezes é observado com alguma desconfiança relativamente à sua autenticidade devido à complexidade da relação que existe entre o folclore e o turismo.


Neste contexto, e na impossibilidade de estudar em pormenor todos os pontos relativos ao assunto abordado acima, a minha preocupação baseia-se em reflectir teoricamente sobre o que é o Património Cultural, o que se entende por tradição e o que é o folclore e de que forma este se circunscreve nos processos de mercatilização ou turistificação da cultura.

No que diz respeito ao estudo de caso, tenciono investigar/conhecer, na medida do possível, a tradição dos Pauliteiros de Pechão, pertencentes à freguesia de Pechão, começando por descrever um pouco a freguesia de Pechão e depois, relativamente aos Pauliteiros de Pechão, conhecer/compreender, quais as suas características, os seus significados e de que forma a população residente de Pechão se identifica(ou) com os Pauliteiros de Pechão.

Enquadramento Teórico

Património  Cultural

O conceito de património sofreu ao longo dos tempos reformulações, onde a concepção de origem estava única e directamente associada a propriedades transmitidas hereditariamente. No século XIX, com o intuito de impedir o vandalismo existente durante a Revolução Industrial francesa, foram criadas, pela primeira vez, condições apoiadas jurídica e institucionalmente de preservação dos monumentos históricos assim como estruturas romanas provindas de escavações arqueológicas. O património definia-se então como um conjunto de edificações, objectos e documentos de valor artístico ou histórico. No entanto surgiram polémicas acerca de monumentos isolados ou considerados no contexto do conjunto ambiental e ai passou-se a ter em conta não apenas o monumento mas também o que existe ao seu redor. Assim, já no século XX, acrescentou-se o termo histórico e desde então considera-se património histórico um bem móvel, imóvel ou natural, com valor significativo para uma sociedade, podendo ser estético, artístico, documental, científico, social, espiritual ou ecológico. Finalmente, em 1972, na XVII reunião da UNESCO acrescentou-se o conceito de lugares notáveis, denominados de património imaterial implicando da mesma forma uma nova denominação para o conceito inicial de Património, desta vez, Património Cultural.

A propósito de Património Cultural este começou realmente a ser tido em conta desde 1976, após a XIX Conferência da UNESCO, em Nairobi, onde foi recomendado a preservação dos conjuntos históricos considerando da possibilidade de homogeneização e aculturação promovidas pela globalização, surgindo desta forma uma preocupação de retornar e retomar os valores tradicionais. No entanto apenas em 1989, na XXV conferência da UNESCO, em Paris, o conceito de Património Cultural imaterial tem em consideração a cultura tradicional e popular, referindo tratamento especial às culturas que não são dominantes.

Posto isto, o Património Histórico passa a integrar o conceito de Património Cultural, conjunto de todos os bens, materiais ou imateriais, que, pelo seu valor próprio, devam ser considerados de interesse relevante para a permanência e a identidade da cultura de um povo, não abarcando apenas monumentos históricos, o desenho urbanístico e outros bens físicos (castelos, igrejas, casas, praças, conjuntos urbanos, etc.), dotados de expressivo valor para a história, a arqueologia, a paleontologia e a ciência em geral, assim como a experiência vivida que se traduz em linguagens, conhecimentos, tradições imateriais (a música, o folclore, por exemplo) e modos de usar os bens e os espaços físicos (pinturas, esculturas e artesanato, por exemplo). Segundo Pereiro, referenciando Cruces (2006: 1):

“Podemos falar em património cultural como aquela representação simbólica das identidades dos grupos humanos, isto é, um emblema da comunidade que reforça identidades, promove solidariedade, cria limites sociais, encobre diferenças internas e conflitos e constrói imagens da comunidade.”

No entanto Pereiro (2006: 2-3) alerta-nos para as diferenças entre os conceitos de Património Cultural e Cultura considerando o primeiro como a representação simbólica da segunda, no sentido em que cada indivíduo ou grupo de indivíduos reconhece um objecto ou conjunto de objectos como seu(s) e o(s) preserva estático(s) e a segunda com impossibilidade de patrimonializar e tudo se conservar, caso contrário não existiria qualquer evolução em relação aos nossos antepassados. Desta forma, “o Património Cultural é uma expressão da cultura dos grupos humanos que recupera memórias, ritualiza sociabilidades, selecciona bens culturais e transmite legados para o futuro.”

O Património Cultural é classificado tipologicamente em várias categorias: histórico, artístico, documental e bibliográfico, arqueológico, paleontológico, científico e técnico, e etnográfico.

Ao conceito de Património Cultural estão relacionados critérios como: escassez; bem limitado; singularidade; raridade e sobrevivência no tempo. A patrimonialização funciona como um seguro contra o esquecimento, como uma activação de lembranças que origina mais memórias pois para além de com o tempo se perderem determinadas profissões como o artesão, a ceifeira, entre outras, perde-se um conjunto de saberes importantíssimos, perdem-se os sons, os cheiros, os sentimentos do artesão/ceifeira assim como os seus mundos sociais.

Em 2000 a UNESCO cria a “Lista de Património Cultural Mundial Oral” e descreve o património imaterial da seguinte forma: "os usos, as representações, as expressões, conhecimentos e técnicas junto com os instrumentos, objectos, artefactos e espaços culturais que lhes são inerentes que as comunidades, os grupos e nalguns casos os indivíduos reconheçam como parte integrante do seu património cultural. Este património cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é recriado constantemente pelas comunidades e os grupos em função do seu entorno, a sua interacção com a natureza e a sua história, infundindo neles um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim para a promoção e o respeito da diversidade cultural e a criatividade humana" (UNESCO 2003, artigo 2).

O património imaterial pode expressar-se por meio das tradições e expressões orais, incluindo o idioma como veículo de património imaterial, das artes do espectáculo, dos usos sociais, rituais e actos festivos, do conhecimento e as suas relações com a natureza e o universo e das técnicas tradicionais e de artesanato.

Tradições

Para Hobsbawm (1997), à medida que as sociedades foram evoluindo, a tradição e a modernidade sempre coexistiram até um ponto em que as constantes mudanças e inovações do mundo moderno causaram uma demarcação nas características da tradição. Na tentativa de organizar de forma fixa e constante alguns aspectos da vida social, de dar continuidade histórica, por vezes artificial, surgem as “tradições inventadas”. Hobsbawm (1997) chega a diferenciar conceitos como “tradição” e “costume” no sentido em que a “tradição” tem como característica a invariabilidade e o “costume” define-se por uma similitude da tradição que, devido às inovações que ocorrem naturalmente, com o passar do tempo, obrigam a pequenas mudanças, estas no entanto não se podem desprender da exigência de ser idêntico ao antecedente.

As inovações ocorrem naturalmente do processo de globalização que afectam, seja por via da televisão, seja pelo rádio a vida local. No entanto, para Giddens (1991) esta relação é recíproca, não são apenas os aspectos globais que afectam a vida local mas, também o local que se manifesta no global. Segundo o autor as tradições não desapareceram mas sim foram reinventadas, esvaziaram-se de conteúdos e alternaram-se por experiências quotidianas de forma a fazerem mais sentido aos indivíduos. Desta forma Giddens (1997) aproxima-se do ponto de vista de Hobsbawm (1997) mas a diferença é que para Giddens (1997) as tradições não foram apenas inventadas mas como reinventadas constantemente.

Turistificação da Cultura

Nas sociedades pós-modernas e pós-fordistas, o turismo ganhou importância no sector de actividade económica, e a partir do momento em que se definiu e clarificou o conceito de Património Cultural, este adquiriu no mesmo instante um carácter produtivista ou mercantilista, não sendo apenas os produtos tradicionais o alvo deste tipo de turismo como também a cultura.

Nalguns casos, o turismo estimulou a revitalização do património cultural e das tradições (inventadas e/ou reinventadas) pois os turistas não querem ver apenas os monumentos históricos de uma determinada localidade como também conhecer os usos e costumes da população local. Noutros casos tem servido para inventar novas práticas culturais (sem tradição histórica) que depressa são tidas como “tradições” para uma melhor comercialização dos produtos turísticos.

Desta forma, Pereiro diz que o património cultural pode ser entendido:
“Como uma forma de produção cultural para “os outros” (ex.: turistas, mercado), que pode ajudar a solucionar o desemprego, a revitalizar o consumo e a atrair turismo cultural.”, ou ainda, ” … um meio através do qual os lugares convertem-se em destinos turísticos, (…) uma estratégia de distinção grupal e territorial que utiliza os bens patrimoniais como valor acrescentado no mercado.” (2006: 4).
Na verdade, graças a estas apropriações, muitas povoações sobrevivem e reproduzem-se sócio-culturalmente como centros de destino turístico, superando situações de pobreza.

Folclore

O folclore (Folk = povo; lore = saber), é entendido como uma parte integrante da cultura de um povo, de uma nação, e consequentemente parte integrante da cultura popular, que relaciona e projecta o que é antigo, os usos e costumes que são tradição dos indivíduos de um determinado local. Segundo a Carta de Folclore Brasileiro (1995) o folclore é um “conjunto de criações culturais de uma comunidade assente nas suas tradições, expresso individual ou colectivamente, e representativo da identidade social de dado país, região ou local” que pode ser verificado mediante, “a aceitação colectiva, a tradicionalidade, a dinamicidade, a funcionalidade”.

Desta forma, o folclore, com todas as suas apropriações, é um dos alvos dos turistas que procuram conhecer a cultura de um povo, isto é, as raízes sociais, etnográficas e antropológicas de um grupo de indivíduos de um determinado local.

No entanto, os indivíduos que hoje apresentam e representam as tradições da sua terra, são sujeitos também integrados numa sociedade moderna e de progresso, facto que não viabiliza a perda das suas memórias mas das identidades dos mesmos. Neste seguimento, para Guillaume:

“As classes sociais e as suas culturas específicas que outrora estruturavam firmemente a sociedade desvanecem-se para dar lugar a uma imensa classe média, a uma amálgama de grupos sem uma cultura comum bem definida. Para aqueles que já não possuem nem território nem identidade social própria, a única possibilidade que continua aberta é a reconstrução de “raízes”, de um espaço compensatório fictício no passado, uma pseudoutupia, numa tentativa de aí recriarem artificialmente as diferenças que o presente já não tolera”. (2003: 41)

Sendo o folclore, entre outras, um objecto de consumo e desejo turístico integrado no desenvolvimento local, regional e nacional é natural que muitas das representações sejam realizadas tendo em conta não apenas o autêntico, como também as necessidades e expectativas dos turistas. Os destinos turísticos tornaram-se lugares onde se fabrica o “autêntico” e segundo alguns autores, a espectacularização das danças folclóricas transformou-as em algo diferente do que eram quando “as pessoas dançavam sem saberem que estavam a dançar” e por isso a busca de autenticidade no palco é uma sonho condenado a fracassar.

O folclore nasceu no nosso país durante o Estado Novo que por sua vez procurou enaltecer a tradição e a rusticidade nacional desta época. As manifestações folclóricas durante o Estado Novo primaram mais pela estética e pelo aprimoramento plástico de “quadros etnográficos” do que pela reconstituição histórica rigorosa, não querendo isto dizer que não contenham genuidade, no entanto não podemos confundir o peixe colhido no mar com o que se adquire nos espaços comerciais (supermercado).

“Dentro do país, e com destaque para as áreas com forte presença turística, muitos enfrentam o dilema de ter de optar por um de dois modos de representação folclórica: um centra-se essencialmente na busca de autenticidade, outro no satisfazer do público turista” (Castelo-Branco e Freitas Branco, 2003: 18).

Segundo a Federação Nacional de Folclore, para que um grupo de folclore se defina como a representação dos usos e costumes de uma população deve conhecer a(s) história(s) do seu meio, realizar um trabalho de recolha e pesquisa, “in loco”, acerca dos mesmos referentes a um período compreendido entre o final do século XIX e o início deste século e tentar reproduzir com base na música, nos trajes e nos quadros de representação etnográfica a época a que se reporta.

Há em Portugal mais de 2000 associações culturais e recreativas de base local e regional que utilizam o adjectivo “folclórico” ou semelhante. O principal objectivo destes grupos é a figuração espectacular de danças e/ou cantares tradicionais num registo etnográfico. Muitas destas associações são constituídas por pessoas que têm o gosto pelo folclore mas que ganham o seu sustento de outras actividades. O mercado de exibição e consumo do folclore é essencialmente promovido pelas comissões organizadoras de festas locais e romarias, agentes de turismo e da indústria hoteleira, políticos locais, instituições municipais, regionais e nacionais e festivais de folclore e cortejos etnográficos.

Estudo de Caso - PECHÃO

O território que constitui hoje a freguesia de Pechão, 19,89Km2 (em forma quase rectangular), é povoado desde o tempo do domínio árabe, embora os primeiros documentos datem de 1593, ainda com estas terras a pertencerem ao termo de Faro. Só em 1823 foi integrada definitivamente no termo de Olhão, criada por desanexação de S. Pedro de Faro.

Segundo dados do INE, relativos aos últimos dois censos realizados, verifica-se que a freguesia tem cerca de 3000 habitantes, observando-se um crescimento de 20%, aproximadamente, relativamente aos valores obtidos no censo de 1991.

Relativamente à composição da população, abaixo estão apresentados dois gráficos que transmitem a evolução da estrutura etária da população residente em Pechão.


A destacar por um lado o aumento em idade activa, na ordem dos 7%, por outro lado a população mais jovem (até aos 24 anos) regista uma ligeira tendência para diminuir.

A principal actividade da freguesia ainda continua a ser a agricultura, com recurso às estufas, a pesca e a recolha da Flor de Sal nos moldes tradicionais, embora muitos dos residentes se dediquem a outras e diversas actividades.

Segundo a informação obtida nas páginas electrónicas da Câmara Municipal de Olhão:
“Pechão é a segunda freguesia mais antiga do Concelho, logo a seguir a Moncarapacho. Foi nesta freguesia, mais precisamente no Sítio de Bela Mandil, no Lugar da Meia Légua, que ocorreu um dos mais violentos e demorados combates entre olhanenses e franceses, em 18 de Junho de 1808. Pechão é uma terra que se afirmou pela sua irreverência contra o regime fascista de Salazar; inúmeros eventos marcaram a actividade dos homens, mulheres e jovens desta freguesia. Destaque para o acampamento de jovens vindos de todo o país em Bela Mandil, no ano 1947, com o objectivo de protestarem contra a falta de liberdade. (…) Na freguesia de Pechão podem ser visitadas a Igreja Paroquial em honra de S. Bartolomeu (séc. XVIII) e a sua envolvente onde se inclui a Capela dos Ossos. A Igreja destaca-se por se encontrar no ponto mais alto da localidade, onde se pode desfrutar de um bonita vista para a Ria e para o Mar. Sabe-se que em 1482 já existia a ermida de S. Bartolomeu de Pichão ou Pexão. Pode-se ainda visitar a Fonte Velha (1754), a Casa Museu, o Chalé de Bela Mandil e alguns edifícios de arquitectura regional. Das tradições mais antigas, desta terra de cultura, constam o Grupo de Pauliteiros de Pechão e a Dança da Misteriosa.”

PAULITEIROS DE PECHÃO

Não havendo (pelo menos que se conheça) registos da origem e implantação desta manifestação cultural, o que se sabe provém da lembrança dos mais idosos, como é o caso do testemunho obtido de Francisco Guerreiro1, um falecido residente da freguesia de Pechão e saudoso de muitos dos que residem, quando tinha 85 anos:

1 Francisco Guerreiro, filho de Francisco Guerreiro Júnior e de Esperança de Jesus Reis, ele operário, ela doméstica, neto de pequenos proprietários agrícolas, nasceu em Pechão, no Sítio da Igreja, a 29 de Janeiro de 1917 e faleceu no Hospital Distrital de Faro, a 17 de Março de 2004, aos 87 anos, estando sepultado no cemitério da terra que o viu nascer. Frequentou a escola até adquirir a 4.ª classe e por conta própria, através de leituras variadas, adquiriu conhecimentos de Geografia, História, Ciências e, mais tarde, de Sociologia e Política. Ciente da lacuna que representa a inexistência de um estudo de conjunto sobre a sua freguesia, publica, em 1989, a Pequena Monografia de Pechão, um trabalho sério e rigoroso em que, além de um conhecimento profundo da sua terra, evidencia apreciáveis qualidades de investigador.

“O Jogo dos Pauzinhos, como originalmente se chamava, tem origem marroquina e foi trazido para Pechão a seguir à primeira Grande Guerra, no início dos anos vinte, por um emigrante que por essas terras tentou a sua sorte. Foi esse homem, de nome Manuel Lopes, que embora não sendo natural da Freguesia de Pechão, casou com uma mulher da nossa terra, uma irmã do tio Zé Salero, pai do Zé Vitorino, quem introduziu e dinamizou o Jogo dos Pauzinhos. Esse jogo, assim como as tradicionais Danças de Pechão e o Combate dos Mouros, eram imprescindíveis no programa tradicional Festa de Pechão, na época denominada Vigília ou Vigilha de S. Bartolomeu, realizada impreterivelmente no dia 24 de Agosto.
Na sua origem os participantes eram homens, que utilizavam uns paus rijos e grossos escolhidos da melhor madeira possível, principalmente laranjeira ou os aros das rodas das carroças, de modo a produzir um som de qualidade.
O vestuário utilizado era composto, de forma alternativa pelos executantes, por calção verde, colete vermelho, camisa branca e barrete verde, tipo marroquino, com uma borla vermelha em cima, ou por calção vermelho, colete verde, camisa branca e barrete vermelho com borla verde. A música é de origem local, assim como a letra que se mantém desde os primeiros tempos, embora seja de admitir que a melodia tenha alguma influência marroquina. Nos primeiros anos do Jogo dos Pauzinhos, o acompanhamento musical estava por conta da própria banda de música que vinha acompanhar a procissão de S. Bartolomeu. A partir dos anos trinta/quarenta, os homens foram substituídos por miúdos, tal como os conhecemos actualmente, passando a chamar-se Pauliteiros, mas que, tudo indica, nada têm em comum com os conhecidos Pauliteiros de Miranda, a não ser o próprio nome. A música e letra não sofreram alterações, mas o acompanhamento deixou de ser feito pela banda, sendo substituído pelo acordeão ou por uma gravação. A indumentária também tem sofrido várias alterações ao longo dos anos, de acordo com o gosto e as tendências da época.
Ao longo destes anos de existência muitos têm sido os dinamizadores do grupo de Pauliteiros, mas deve-se referir dois nomes que muito fizeram pela sua divulgação: primeiro foi o mestre Joaquim Norte e depois o mestre Teófilo de Sousa, que durante várias décadas ensinaram a diferentes gerações a arte e o gosto pelo Jogo dos Pauzinhos.”
Francisco Guerreiro, 2002

Os poucos relatos orais que obtive, foram também de encontro com factos relatados por Francisco Guerreiro, os Pauliteiros de Pechão terão tido no início da terceira década do séc.XX. A cor das peças que compõem o vestuário utilizado na fotografia abaixo apresentada (lado esquerdo) assemelha-se ao descrito acima, neste caso, composto, por calça preta, cinto e laço de camisa verde, colete vermelho, camisa branca e barrete preto, tipo marroquino, com uma borla branca em cima. Provavelmente estas alterações são fruto de influências da modernidade que pouco a pouco vão alterando, de forma moderada algumas características dos Pauliteiros de Pechão. No que diz respeito à música, sempre se manteve a mesma, no entanto tocada com base em três instrumentos, acordeão, guitarra e bandolim por conterrâneos como é também exemplo a fotografia abaixo apresentada (lado direito) que, não sendo músicos de eleição, têm o dom de com toda a simplicidade, fazer com que cada nota alegre o coração dos Pechanenses.
Após uma paragem de 8 anos, os Pauliteiros foram reactivados pelo Clube Oriental de Pechão, em 2009 e louvados pelos residentes mais idosos que afirmam ”Porque são únicos, são nossos, e fazem parte de nós.” e ainda lamentam ter-se “perdido” a “Dança dos Velhos” assim como o “Combate dos Mouros” que alguns alegam que o primeiro emigrou e radicou-se definitivamente em Quelfes e o segundo por ter falhado a transmissão desta tradição, que juntamente com a referenciada “Dança dos Velhos” e os Pauliteiros “iluminavam a alma” de toda a população residente de Pechão, ao longo dos anos, na festa de Pechão.

Ainda há quem se lembre de alguns versos que os Pauliteiros pronunciavam durante as actuações, “à moda antiga”:


“Boa noite meus senhores
Passem todos muito bem
Viva a Festa de Pechão
E até para o ano que vem.”

“Viva a Festa de Pechão
Viva tudo em geral
Viva S. Bartolomeu
E o Clube Oriental”


O longo dos anos os Pauliteiros de Pechão actuaram não só nas festas de Pechão, anuais, em honra de S. Bartolomeu como na feira em S. Brás de Alportel e outras festividades ou cerimónias, como é referenciado numa notícia do jornal “Região Sul” do dia 29 de Maio de 2010.

Considerações Finais

De forma geral, o Património Cultural, inicialmente baseado nos monumentos, desde a segunda metade do século XX, sofreu um processo de mudança conceitual sendo que no 2000 a UNESCO criou a “Lista de Património Cultural Mundial Oral” definindo o património imaterial.

Foi também a partir deste momento que o turismo voltou as suas atenções para os usos e costumes dos povos provocando nestes, de forma quase recíproca, um desejo desenfreado de mostrarem ao mundo as suas tradições, que em outros tempos já existiam mas, de uma forma “inconsciente” ou com uma menos preocupação relativamente à “passagem do testemunho” como quem diz transmissão dos usos e costumes. Esta turistificação das tradições e dos produtos tradicionais fragilizou a certeza da legitimidade dos mesmos.

Os Pauliteiros terão tido início perto de 1922, segundo testemunhos de residentes da freguesia e desde então têm integrado as festas de Pechão em homenagem ao Santo padroeiro da terra, S. Bartolomeu, assim com têm integrado a vida dos Pechanenses.

Para além da inexistência de recursos sob o formato de papel acerca das origens dos Pauliteiros de Pechão, já mencionado ao logo do ensaio, a verdade é que também foi escasso o tempo para recolher junto dos residentes mais idosos testemunhos orais relativos ao mesmo, pelo que procurei encontrar fotografias e quaisquer outras informações relacionadas com os Pauliteiros de Pechão em páginas de internet (Junta de Freguesia de Pechão, Câmara Municipal de Olhão, Jornal “Região Sul” e blogs de residentes da freguesia de Pechão) e recolher alguns testemunhos orais de residentes mais jovens com quem tenho um contacto mais próximo que, caso pretenda avançar e aprofundar mais ainda o meu ensaio me sugeriram que contacta-se pessoas como: Padre José da Cunha Duarte, a residir actualmente (salvo erro) em S. Brás de Alportel; familiares do falecido Teófilo Sousa, o 11.º Presidente do Clube Oriental de Pechão com um mandato curto e fugaz mas indivíduo activo e atento que foi ensinando a arte, e treinado a destreza dos Pauliteiros, foi o verdadeiro propulsor, que pacientemente dirigiu gerações de rapazes a exibirem um espectáculo apreciado, “e único no País” segundo uma residente da freguesia de Pechão e devota dos Pauliteiros de Pechão, com anonimato, intitulada de “Arlapa Maria”; João Carlos Charneca, também um dos Presidentes do Clube Oriental de Pechão, o vigésimo, que graças ao seu esforço e dedicação os Pauliteiros viveram momentos de grande exuberância; entre outros.

Ficaram muitas questões no entanto por responder e outras por completar que até ver, poderiam ser alvo da minha tese de mestrado:
Quais as representações sociais dos Pauliteiros?
Quais as representações sociais dos outros face aos Pauliteiros?
Como é possível o grupo dos Pauliteiros de Pechão expressarem a cultura rural se é herdado por indivíduos urbanos?
Estaremos, actualmente, perante uma pseudo-cultura?





segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Ana Cabecinha 5ª. Classificada

A marchadora Ana Cabecinha do Clube Oriental de Pechão, obteve no passado sábado o 5º lugar na Final do Challenge Mundial de Marcha (IAAF), a atleta completou os 10km marcha no tempo de 43.17 (Novo Recorde Pessoal).

A grande vencedora do Challenge foi a Chinesa Liu Hong com 42.30 atleta de grande nível mundial, já 4ª nos Jogos Olímpicos de Pequim e medalha de Prata no Mundial de Berlim 2009, na 2ª posição ficou a Alemã Melanie Seeger (42.36), o pódio ficou completo com outra Chinesa Yanfei Li (42.41); mais a trás ficou a atleta do Pechão que não conseguiu acompanhar o elevado ritmo imposto pelo trio do pódio e pela Russa Tatyana Sibileva que viria a vencer com 41.53 no excelente tempo mundial como atleta Extra ao Challenge.

Nos lugares seguintes ao pódio classificaram-se as Portuguesas, 4ª Inês Henriques (43.09), 5ª Ana Cabecinha (43.17), 6ª Susana Feitor (43.41) e na 8ª posição a Vera Santos com 44.53 demonstrando assim a potência que é a Marcha Atlética feminina Portuguesa.

Ana Cabecinha referiu no final da prova “o resultado vem culminar uma boa época que tive, o principal objectivo foi atingido, chegar dentro das primeiras nesta Final é uma satisfação, foi bom voltar a competir em Pequim e por coincidência completar os 10km à chuva como em 2008, estou muito feliz com o resultado, mais ainda por obter dois recordes pessoais, aos 5kms e aos 10kms, vou agora descansar umas semanas para encarar a nova época que vai ser longa com a mesma determinação que esta, tendo como principais objectivos a participação na Taça da Europa de Marcha a realizar em Olhão (22 de Maio) e a participação no Campeonato do Mundo a ter lugar na Coreia do Sul a 31 de Agosto ”

Pechão – 19 de Setembro de 2010
C.O. de Pechão

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Rolas melros & coelhos

Levantei-me cedo. Um dia a prometer o fim do calor.Uma leve brisa fresca e um fugaz cheiro a erva do mato. Sentada na minha cadeira de vime, fito uma mancha de oliveiras entrecortadas por amendoeiras entrançadas em moitas. Vão esvoaçando, melros, rolas e pássaros ansiosos na procura de alimento. Sem embaraço as rolas aproximam-se e, juntam-se às galinhas a tomar o pequeno – almoço, pouco preocupadas e já habituados à minha presença. Os coelhos não demonstram embaraço, e correm na procura de não sei o quê. Um melro parou de depenicar e ficou quieto com a cabeça à banda, como se quisesse ouvir a minha voz. Ouço os pintassilgos a cantar as delícias deste Éden algures em Pechão. Desconheço por completo o roteiro dos locais paradisíacos mas, não os troco por estes momentos sublimes.
Meritório o trabalho efectuado pelo Clube de Caçadores de Pechão. Existe empenho e preocupação em preservar as espécies cinegéticas, criando-lhes as condições ideais de sobrevivência e reprodução.Sem o esforço deles era impossível viver estes momentos. Eu agradeço …nós agradecemos!

22/06/2007
Editado

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

de volta a Pequim

A marchadora Ana Cabecinha do Clube Oriental de Pechão, participa no próximo sábado dia 18 de Setembro na Final do Challenge Mundial de Marcha (IAAF), prova a ter lugar em Pequim, Ana Cabecinha tem boas recordações da capital Chinesa, recorda-se que foi em Pequim que obteve um distinto 8º lugar nos Jogos Olímpicos em 2008 com um novo Recorde de Portugal.

Após uma boa época desportiva onde Ana Cabecinha alcançou uma brilhante medalha de Ouro nos Campeonatos Ibero-Americanos, e por duas vezes o 8º lugar nas principais Competições a nível internacional (Campeonato da Europa de Pista – Barcelona e Taça Mundo de Marcha em Chihuahua -México), já que a nível nacional conseguiu alcançar as três posições no pódio nos diferentes Campeonatos Nacionais, foi 2ª na Estrada, 3ª na Pista-coberta e venceu a Pista ar livre, pretende agora fechar a Época com uma boa classificação na Final do Challenge Mundial de Marcha, na prova de 10km que vai contar com um lote das melhores atletas mundiais da disciplina.

Recorda-se que têm acesso à final do Challenge Mundial apenas as atletas que participaram em pelo menos 3 das competições pontuadas ao logo da época (são 17 atletas este ano), a Ana Cabecinha ocupa a 7ª posição com 16 pontos, a líder é a Portuguesa Vera Santos com 40 pontos, estando ainda qualificadas atletas da China, Grã-Bretanha, Espanha, Austrália, Alemanha, Irlanda, Eslováquia e as também das Portuguesas Inês Henriques e Susana Feitor.

A participação da marchadora na prova Chinesa só é possível devido aos vários apoios, nomeadamente: do Município de Olhão, da ATA – Associação de Turismo do Algarve, da Lusitania Seguros e da Federação Portuguesa de Atletismo.

Pechão – 12 de Setembro de 2010
C.O. de Pechão

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O poial do Zé Arlindo

Mais de cem anos de existência. Lugar de encontros e desencontros. Ouviu soluços, conversas animadas, murmúrios, delírios, amores e desamores. Boas vidas e outras nem tanto. Calou segredos. Presenciou beijos escaldantes e fúrias incontroláveis. Sentados, deitados, em pé ou, em posições acrobatas. Saboreando  minis ou médias, Sagres ou Super Bock. Fumando Três Vintes, Provisórios, Definitivos, ou, um qualquer fumo alternativo. Sem discriminação de sexo ou idade. Já sentou  bisavô, avô, pai, filho, neto e bisneto. Gerações. Fez amigos, novos e velhos. Um bloco de cimento com história. Mas essencialmente memória… a nossa!

sábado, 4 de setembro de 2010

Combate dos mouros (3)



José Nunes da Avó, barbeiro de profissão, sabia o texto de memória e declamava-o sempre que alguém lhe pedia. O texto é simples, e o mais importante era o espectáculo – combate final entre mouros e portugueses.
Cena I
Português - Ó do barco!
Mouro - Que deseja?
Português - Eu, capitão deste escaler, vindo dos mares do Norte e tendo que cumprir a minha missão, ás ordens do Comando Superior.
Mouro - Que deseja?
Português - Desejo falar a V. Real Majestade, El-Rei Ártabe
Mouro - Espere um momento
Cena II
Rei Mouro - Quem é?
Soldado Mouro - Não sei. Só sei que é um escaler armado e tenta penetrar em território nosso e onde V. Real Majestade governa e domina.
Cena III
Mouro - Ó do escaler?
Português - Pronto!
Mouro - Quem te mandou penetrar em águas que por direito e limites não te pertencem e penetrares em território meu?
Português - Foi o temporal que nos trouxe até esta paragem.
Mouro - Não quero saber.
Português - Eu capitão deste escaler suplico a V. majestade o vosso consentimento para nós passarmos por águas árabes em procura de mares desconhecidos.
Mouro - Não. Não quero saber. O vosso escaler será aprisionado e todos os pertenços existentes no escaler serão meus. E tu e os teus soldados serão queimados.
Português - V. Real Majestade! Nós temos que passar. Não é justo e nem é permitido que V. Real Majestade não dê tal consentimento.
Cena IV

Rei - Aprisionem o barco.
Capitão -E nós vamos passar.
Rei - Não passarás.
Capitão - Ó rapazes! Prontos! Fogo! Se V. Real Majestade não permitir a nossa passagem nós vamos para a luta. Fogo! Sem tréguas atacaremos. O vosso castelo será destruído. Fogo! Fogo! Eh! Rapazes, fogo!

E trava-se o combate para gáudio da assistência!
No fim os soldados cristãos correm para o castelo e deitam-lhe fogo. Os mouros saem pelas traseiras. Há algumas pequenas bombas colocadas no castelo para dar a sensação de tiros. Depois da destruição do castelo e da fuga dos mouros, o rei Mouro e o capitão Português dão as mãos para testemunhar ao público que foi uma simples representação. Não há intenção de espezinhar ou ofender ninguém.

Foto e fonte: “Natal no Algarve II” Padre José da Cunha Duarte e Dr. Padre Afonso Cunha