terça-feira, 27 de agosto de 2013

Os rostos da alma



Está tudo lá. Sim, os rostos não escondem nada. Todos reconhecem a cartografia de cada ruga, cada linha, ou sulco. O franzido ao canto dos olhos denuncia as marcas de suor amontoado nas sobrancelhas. Os parênteses da boca são um fim em si mesmo: a concha protectora da família, sem jardins-de-infância nem lares para idosos. Para o confirmar, basta calcorrear as veredas na testa onde encontramos vidas apenas com dois propósitos, trabalho e família, sem agenda nem telemóvel. Seguindo o trilho das lágrimas, descobrimos suaves lembranças de beijos e abraços amorosos. Sim o amor, que é uma cegueira danada. Aquele vindo das entranhas embrulhado no nosso sangue. Indestrutível. O sombreado esconde um rosto entre as mãos a chorar às escondidas, sempre a fingir que não se passa nada. Tragédias e desgostos de mão dada. Mas é à noite, quando pousa o silêncio que tudo se agudiza: a elegia silenciosa, o vazio e as memórias, mas sobretudo as dores. Do corpo e da alma, onde pairam sombras negras que insistem em escurecer ainda mais uma existência amargurada. 

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Candidata a um lugar no céu



De uma cortesia celestial. Age com o sentido de dever para preservar a tradição da família. Rege-se pelos códigos dos seus antepassados e move-se em passos iguais e vagarosos. As mãos ossudas e lavradas denunciam o trabalho na terra, e a coragem as lides da vida do campo. Não dá importância às ratazanas e trata as osgas por tu. Conhece o perfume da terra, das árvores, e o poder devastador do sofrimento. Por isso, trabalha com uma insofrida paciência, e mesmo quando soletra aquele sorriso infantil as mágoas estão alojadas nas entrelinhas. Uma vida de solidão sem som nem legendas. Será que o silêncio ouve-se no céu?

domingo, 18 de agosto de 2013

Critérios

                                                                                                                                 Revista Sábado

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Deslocada





No Sábado fui literalmente arrastada para ver o Tony Carreira. Nada de especial, se a idade não aconselhasse resguardo e a espondilose a cadeira de verga. Foi a primeira vez que fui ao Festival do Marisco, onde, atendendo à minha bolsa e ao tempo que passaram na arca congeladora encontrei dois tipos de marisco: o caro e o caríssimo. Tudo acima dos dois dígitos. Inexplicavelmente, apesar de não lhes conhecer o paladar, era com santolas e lavagantes que eu sonhava. Uma fantasia que me deixou envergonhada. Graças a Deus tenho uma mente precavida e graças ao Governo, uma carteira vazia, o que me impediu de lamber os dedos no sábado e as lágrimas no domingo. Afinal, este não é o meu mundo. Porque hoje, voltei à realidade, ou seja: limpar o galinheiro, apanhar alfarrobas e comer sopas de tomate com ovos.   

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O Protocolo




Na sequência do Protocolo celebrado entre a Paroquia e a Junta de Freguesia ficou decido que durante o ano de 2011, a Junta comprometia-se a pintar a Igreja Paroquial. Prometeu e não cumprir. E faz muito bem ficar em silêncio porque sempre que falhamos uma promessa, as explicações soam pior que os próprios factos. Não julgo, nem critico o Presidente, aliás, tem todo o meu apoio. A decisão para mim é correcta e não passa de uma banalidade mas aos olhos de Deus pode ser um pecado.

Desconheço completamente os motivos, mas se foi pelo perigo do pintor andar a amarinhar pelas paredes da Igreja, assino por baixo, pois lembro-me bem de ficar cheia de cagufo ao ver o Manuel Caiador fazer trapézio sem rede em cima de escadas artesanais atadas por baraços duvidosos. Confesso que prefiro a Igreja como está: Um branco creme, arraiado de cinza, matizado num verde espargo. Tem mais haver connosco, é mais campestre.

Vamos imaginar que o dinheiro da Junta é como a história da Farmácia de Pechão: Já houve, depois desapareceu, agora esperamos que volte. Sendo assim, não podia estar mais concordante, pois existem coisas bem mais prioritárias onde gastar 1.500 euros.

Na remota hipótese do Presidente ter lido estes comentários, e reconsiderar, então proponho um voto de louvor, porque não há nada de mais nobre que ouvir a voz do povo.

E como não se deve subestimar o poder Divino, com o aproximar da Procissão e de um novo Padre, não me admira que  surja um milagre e a cor das paredes da Igreja se alterem para um branco imaculado. 

Quanto ao pecado do Presidente e como sacramento da penitência prevejo: um ano a acompanhar o Sr.Martins na limpeza dos caminhos e limpeza de valetas, levando a marmita e almoçando à sombra das alfarrobeiras. E eu, por o ter apoiado, provavelmente não me vou livrar de ter de plantar 200 árvores até Outubro.