quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

A minha vizinha (2)



Ontem ao jantar, perto dos seus, comeu griséus com ovos acompanhados por olhares comprometedores e, como sobremesa, engoliu a frase: “um lar é a melhor opção”. Ainda as palavras não lhe tinham chegado ao estômago, já um ardor no peito lhe ateara o sistema nervoso. Fez-se desentendida e alegando cansaço meteu-se na cama, sem antes e, sem resposta, pedir auxílio a Deus. Hoje de manhã, cedinho, ainda cambaleando do pesadelo que envolveu: baba, ranho, fraldas, e demência, saiu à rua e fez a sua prova de vida.

Enquanto deambula entre o galinheiro e uma amendoeira vestida de noiva, trajada com um delido robe castanho e um xaile preto bordado pelas traças, a natureza veste-se de verde e, o vento traz-lhe lamentos e sementes para o quintal. As recordações de uma vida erigida a braços de trabalho e baldes de sofrimento, retiraram-lhe a dor no peito e cravaram-na no centro da alma. Para sempre. Não anseia pelo euromilhões, nem por umas férias nas Caraíbas, apenas deseja morrer na sua aldeia, em casa, rodeada de afectos e dos seus. Porque sabe que num lar, a única esperança, é Deus se encontrar por perto.


1 comentário:

  1. Por vezes dou comigo a pensar, que há aqui algo errado, porque é que o fim da vida tem de ser miserável e decadente? porque será que a vida não é como uma opera, ou peça de teatro, onde o fim é sempre uma apoteose gloriosa, ou uma gargalhada estrondosa? A Naturesa uma obra sublime de autor desconhecido,contem um erro muito grande!

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