Se há pessoas que sinto falta, é de ti. Então pelo Natal a dor no peito agudiza-se. Os bolinhóeis a boiar no óleo a ferver, as trutas prenhas de bata doce, e o teu ar atarefado ao comando da frigideira. Um ritual que nunca dispensavas.
Transpiravas, pelo calor e pelo nervoso miudinho, o medo de não ficar tudo na perfeição. Mas ficava. Porque tinhas a medida na mão, e a sabedoria no coração. Depois, vinham os fardos de alegria e de gula, que debulhávamos de boca cheia, enquanto o açúcar se esgueirava para os cantos da boca e o mel escorria por entre os dedos, e eu lambia. E tu sorrias. E afogavas os bolinhóies, numa tigela baça debruada a azul cheia de café preto.
Indefesa perante a melancolia, rumino a angústia, entrecortada com lágrimas vindas de uma ruga em forma de algeroz, engulo tudo, com uma tristeza que rasga e esventra-ma as certezas. E no silêncio entre o desgosto e a saudade, volta o travo amargo da realidade. E a dor no peito.