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segunda-feira, 25 de novembro de 2013

O jantar de despedida do Zeca




Lembro-me quando chegou a Pechão. Pequeno, com cinco ou seis anos, irrequieto, na mercearia da mãe a contornar os sacos de feijão, a saltar as caixas de sabão e a esconder-se na cabine do telefone. No sábado, os seus amigos e apoiantes reuniram-se numa despedida, justa e sentida. Não fui convidada, mas se não estivesse a chocar uma gripe que me atirou para junto do borralho, tinha falado com as meninas da Junta e inscrevia-me. Afinal, passados tantos anos continua irrequieto e a contornar obstáculos, é que quatro mandatos sempre com maioria absoluta não é para todos.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Tomada de posse






Ambiente denso e tenso. Terrenos demarcados, trincheiras abertas, contam-se as espingardas e escolhem-se os alvos. Os olhos movem-se à velocidade da corrente sanguínea, com o manual de instruções à mão de semear. O acordo, a estratégia, as ciladas, e a partilha dos despojos. Em política vale tudo, e as alianças de conveniência para quem não fala a mesma lingua não são de confiança, e por isso, quando se esperava que o inquilino mais antigo da Junta saísse deserdado pela porta das traseiras com o casaco pela cabeça, num golpe de asa, e de última hora, reverteu a situação a seu favor com um tiro à queima - roupa. Parecia desarmado e indefeso, mas revelou-se um astuto observador e um hábil negociador. No final mais parecia um quadro de Botticelli: Uns a afagar o ego, outros a arder de indignação, alguns resignados, e muitos perplexos. O que aconteceu aos votos do povo? Baralharam, dividiram e voltaram a dar. A democracia continua a ser um belo ideal, mas insistem em torna-la numa triste realidade.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Duas vagas




Depois de golpear um bocadinho de terra para semear umas favas, os meus bicos de papagaio assanharam-se e enviaram-me para o médico. Duas vagas. Dizia na porta da Junta. Sobreavisada, cheguei às quatro e meia da matina. Já lá estava o Zé Firmino escarrapachado no banco. Ficamos os dois, feitos sem-abrigo no silêncio da noite, interrompido apenas pelo ladrar dos cães, ele agarrado à faca de ponta e mola, e eu cheia de cagufo ao cesto de ovos para oferecer ao médico. Um desconforto e um sacrifício absurdo. E o inverno ainda não chegou.
Não sei se sofro de diplopia, ou, se algum andaço anda a fazer das suas. O que parece é que cada vez mais pessoas frequentam o centro de saúde. Cada uma com a sua sina. Umas “ é só para medicamentos”, outras, desejam apenas “dar uma palavrinha ao médico”. As hipocondríacas, sempre aflitas com pseudo – urgências. E as importantes, que chegam, e entram no gabinete do médico, ignorando quem está pacientemente esperando a sua vez. 
 Alguns lampejos de parcialidade denotam a necessidade de pequenos reajustes num serviço fundamental para a Freguesia. A começar por substituir a literatura na sala de espera, desactualizada e deteriorada. A verdade é que o médico, num espanhol aporteguesado receitou-me analgésicos e recomendou-me: marcar nova consulta para daqui a um mês, sopas e descanso, regar as favas e tratar apenas das galinhas.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

O Paulo




Declaração de interesses: Gosto do Paulo. Excepto quando usa gravata.

Até aqui as críticas têm sido refinadas. Chegaram discretamente armadilhadas em papel de prata, tingidas de complacência. Em vão, tudo foi desactivado pelo halo da sua inocência. Uns clamam que não tem o dom da palavra. Existem aos magotes, malabaristas da lábia e espalha-brasas, prenhes de paleio que conseguem vender ilusões sem nunca passarem recibo, como o feirante, que vende uma manta e oferece seis. Desconfio sempre da fartura. Neste caso não bate a bota com a perdigota, pois relembro, que as pessoas são avaliadas pelo que fazem e não pelo que dizem. E o Paulo ainda nem começou.
Outros comentam que não tem perfil. Recordo alguns dinossauros cheios de estilo, que em duas penadas esquartejaram as contas das Autarquias e tiraram a esperança a quem lhes pôs uma escada para o poleiro. Prefiro a competência ao perfil. Aliás, sente-se melhor com a Misteriosa nos braços do que um microfone nas mãos, e eu prefiro-o assim, ao natural: sem guião, nem gravata. 
Mas, ainda há quem alegue que falta-lhe experiência, mas esquecem-se que o que define uma boa gestão, não são muitos anos a queimar pestanas. Mas sim, o critério.
Esteve confortavelmente no ninho, sem acções nem consequências, agora é obrigado a voar. A realidade vai entrar sem pedir licença e vai sentir o verdadeiro tremor ao temor das dúvidas e das investidas dos caçadores de recompensas prontos a puxarem o gatilho, mas está a salvo, porque a honestidade é a sua couraça.
Insisto na pieguice. Na esperança de um dia ser absolvida em confissão, vou cometer uma inconfidência e um pecado: é bonito, torço por ele, e sei que não voará com penas de pavão, mas, ficarei muito desiludida e, soltarei um palavrão muito feio se o fizer com asas emprestadas.