Lembro-me
quando chegou a Pechão. Pequeno, com cinco ou seis anos, irrequieto, na
mercearia da mãe a contornar os sacos de feijão, a saltar as caixas de sabão e
a esconder-se na cabine do telefone. No sábado, os seus amigos e apoiantes
reuniram-se numa despedida, justa e sentida. Não fui convidada, mas se não
estivesse a chocar uma gripe que me atirou para junto do borralho, tinha falado
com as meninas da Junta e inscrevia-me. Afinal, passados tantos anos continua irrequieto
e a contornar obstáculos, é que quatro mandatos sempre com maioria absoluta não
é para todos.
segunda-feira, 25 de novembro de 2013
segunda-feira, 11 de novembro de 2013
… e agora?
...quem trata da horta, do olival, das alfarrobeiras e das
amendoeiras? Uma geração de agricultores que se esfarrapou de sol a sol para
deixar um legado, ficou sem forças para erguer a enxada. Vivem num paradoxo; em
novos, pujantes, esfarraparam-se para dar aos filhos aquilo que eles nunca
tiveram: instrução e carreira. Em velhos, debilitados e vencidos pela idade,
clamam por um sucessor. Os herdeiros procuraram outra forma de vida, longe do
desconforto do campo e perto da comodidade de um emprego. Ficam com a herança
mas não sabem o que fazer com ela. Os progenitores, resignados ao relógio da
vida, mortificam-se ao ver as árvores de fruto ressequidas e as batatas greladas
por semear, e, num último sinal de esperança, desfazem-se dos bens e do
rendimento de uma vida. Ficam apenas com os olhos… para chorar.
domingo, 3 de novembro de 2013
A minha vizinha (4)
Quando a pontualidade é uma realidade, dez
minutos são uma saudade e meia hora uma eternidade. Exasperada,
cabisbaixa, como a pernada da oliveira debruçada sobre a casota do rafeiro
alentejano. O tempo passa e ela passa-se. Enquanto as pernas tremilicam e o
coração desata aos coices, mergulha a cabeça nas mãos, apavorada, como se naufraga-se
numa ilha deserta rodeada de cartazes gigantes com a fotografia da antiga namorada
dele.Nem pista nem sinal, apenas o maldito silêncio que lhe queima as entranhas
e a leva à loucura e, até um melro estacionado numa laranjeira enfezada parece
agourar. Não necessita de explicações nem de desculpas, precisa dele, como de
um antídoto para a mordedura de uma
cobra venenosa, porque ele é bússola que a atrai e a faz perder o norte.
Ei-lo que surge, e antes de
esboçar qualquer palavra, já ela tinha voado para os seus braços.Resgatada do vazio
e do medo, apertou-lhe o esterno e aninhou-se no peito. E ali ficou, olhos
fechados, saboreando as lágrimas, o momento perfeito, a vontade de algemar–se
cintura com cintura, e oferecer a chave ao melro que acabava de bater as asas e
desaparecer. É o degelo. Tacteia-lhe as curvas do rosto, desliza pela recta do
pescoço e beija-a com o menu completo, dá-lhe outro de sobremesa e leva-a às
cavalitas para não perderem o apetite. Não me avistaram mas sabem da minha
presença. Aferrolham a porta, fecham a janela e correm as cortinas.
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