Ambiente denso e tenso. Terrenos
demarcados, trincheiras abertas, contam-se as espingardas e escolhem-se os
alvos. Os olhos movem-se à velocidade da corrente sanguínea, com o manual de
instruções à mão de semear. O acordo, a estratégia, as ciladas, e a partilha
dos despojos. Em política vale tudo, e as alianças de conveniência para quem
não fala a mesma lingua não são de confiança, e por isso, quando se esperava
que o inquilino mais antigo da Junta saísse deserdado pela porta das traseiras
com o casaco pela cabeça, num golpe de asa, e de última hora, reverteu a
situação a seu favor com um tiro à queima - roupa. Parecia desarmado e
indefeso, mas revelou-se um astuto observador e um hábil negociador. No final
mais parecia um quadro de Botticelli: Uns a afagar o ego, outros a arder de
indignação, alguns resignados, e muitos perplexos. O que aconteceu aos votos do
povo? Baralharam, dividiram e voltaram a dar. A democracia continua a ser um
belo ideal, mas insistem em torna-la numa triste realidade.
quarta-feira, 23 de outubro de 2013
segunda-feira, 21 de outubro de 2013
Duas vagas
Depois de golpear um bocadinho de
terra para semear umas favas, os meus bicos de papagaio assanharam-se e
enviaram-me para o médico. Duas vagas. Dizia na porta da Junta. Sobreavisada,
cheguei às quatro e meia da matina. Já lá estava o Zé Firmino escarrapachado no
banco. Ficamos os dois, feitos sem-abrigo no silêncio da noite, interrompido
apenas pelo ladrar dos cães, ele agarrado à faca de ponta e mola, e eu cheia de
cagufo ao cesto de ovos para oferecer ao médico. Um desconforto e um sacrifício
absurdo. E o inverno ainda não chegou.
Não sei se sofro de diplopia, ou,
se algum andaço anda a fazer das suas. O que parece é que cada vez mais pessoas
frequentam o centro de saúde. Cada uma com a sua sina. Umas “ é só para
medicamentos”, outras, desejam apenas “dar uma palavrinha ao médico”. As hipocondríacas,
sempre aflitas com pseudo – urgências. E as importantes, que chegam, e entram no
gabinete do médico, ignorando quem está pacientemente esperando a sua vez.
Alguns
lampejos de parcialidade denotam a necessidade de pequenos reajustes num
serviço fundamental para a Freguesia. A começar por substituir a literatura na
sala de espera, desactualizada e deteriorada. A verdade é que o médico, num
espanhol aporteguesado receitou-me analgésicos e recomendou-me: marcar nova
consulta para daqui a um mês, sopas e descanso, regar as favas e tratar apenas das galinhas.
segunda-feira, 14 de outubro de 2013
A minha vizinha (3)
A saturação dos fins de dia
No dia em que o amor está de férias e o bom senso meteu
folga, a sereia virou adamastor. Saiu do carro, furiosa, a despejar carradas de
ódio como se estivesse a iniciar uma declaração de guerra. Ele, cabisbaixo, apreensivo,
a escolher cuidadosamente um lugar seguro para pôr os pés num terreno a abrir
fendas. Acometida de uma embriaguez emocional, o martelar das palavras carregadas
de crueldade sucediam-se, tão contundentes como embaraçosas. Estranhamente
calmo tropeçando na sua culpa, tentou içar a bandeira branca, mas à primeira
silaba recebeu como resposta, uma saraivada de balas em forma de hostilidade que
lhe retirou qualquer hipótese de armistício. Desistiu, olhou para o relógio
como se estivesse a cronometrar os disparos, e virou-lhe as costas, deixando-a
a falar sozinha. Aturdido, ainda sem saber onde encaixar-se no vazio inesperado
e já com a chave na fechadura, ouviu: “ Não tenho fome, vai comprar o jantar
para os miúdos”.
segunda-feira, 7 de outubro de 2013
O Paulo
Declaração de interesses: Gosto do Paulo. Excepto quando usa gravata.
Até aqui as críticas têm sido refinadas. Chegaram discretamente armadilhadas em papel de prata, tingidas de complacência. Em vão, tudo foi desactivado pelo halo da sua inocência. Uns clamam que não tem o dom da palavra. Existem aos magotes, malabaristas da lábia e espalha-brasas, prenhes de paleio que conseguem vender ilusões sem nunca passarem recibo, como o feirante, que vende uma manta e oferece seis. Desconfio sempre da fartura. Neste caso não bate a bota com a perdigota, pois relembro, que as pessoas são avaliadas pelo que fazem e não pelo que dizem. E o Paulo ainda nem começou.
Outros comentam que não tem perfil. Recordo alguns dinossauros cheios de estilo, que em duas penadas esquartejaram as contas das Autarquias e tiraram a esperança a quem lhes pôs uma escada para o poleiro. Prefiro a competência ao perfil. Aliás, sente-se melhor com a Misteriosa nos braços do que um microfone nas mãos, e eu prefiro-o assim, ao natural: sem guião, nem gravata. Mas, ainda há quem alegue que falta-lhe experiência, mas esquecem-se que o que define uma boa gestão, não são muitos anos a queimar pestanas. Mas sim, o critério.
Esteve confortavelmente no ninho, sem acções nem consequências, agora é obrigado a voar. A realidade vai entrar sem pedir licença e vai sentir o verdadeiro tremor ao temor das dúvidas e das investidas dos caçadores de recompensas prontos a puxarem o gatilho, mas está a salvo, porque a honestidade é a sua couraça.
Insisto na pieguice. Na esperança de um dia ser absolvida em confissão, vou cometer uma inconfidência e um pecado: é bonito, torço por ele, e sei que não voará com penas de pavão, mas, ficarei muito desiludida e, soltarei um palavrão muito feio se o fizer com asas emprestadas.
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